Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo Aplicável a Apostas de Quota Fixa

Com o propósito de contribuir para a compreensão do setor de apostas e jogos online e para a implementação de controles de PLD/FTP pelos agentes operadores de apostas, este artigo foi elaborado por profissionais certificados pela ACAMS que integram grupo de estudos da ACAMS Brasil Chapter1. Esses profissionais atuam em diversas áreas, tais como: advocacia; consultoria; compliance em instituições de pagamento; compliance em agente operador de apostas; e analista de PLD/FTP em instituição de pagamento.

Os distintos itens deste artigo foram escritos por distintos membros do grupo de estudos.

Os capítulos dispõem sobre: conceitos e histórico da regulamentação de apostas no Brasil; as tipologias de LDFTP por meio de jogos e apostas online; os procedimentos de PLD/FTP a serem observados pelas instituições financeiras e de pagamento (no caso, IP); e as orientações para implementação de programa de PLD/FTP para o agente operador de aposta.

1. OBJETIVO

O presente artigo vem na esteira da Lei Nº 14.790/232 e da regulação do mercado de apostas de quota fixa no Brasil efetuada pela Secretaria de Prêmios e Apostas ligada ao Ministério da Fazenda (“SPA/MF”)3.

O objetivo é analisar as práticas de prevenção a lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa (“PLD/FTP”) aconselháveis para esse novo setor econômico e propor a este um Programa de PLD/FTP.

Dada sua finalidade prática – i.e. orientar profissionais, estudiosos e pessoas obrigadas a práticas PLD/FTP -, o artigo não aborda questionamentos e análises que têm sido feitas ao longo de 2024 sobre a constitucionalidade da Lei Nº 14.790/23, tais como os da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7721, em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

2. JOGO E APOSTA

2.1. A diferença

Jogos e apostas são, usualmente, considerados contratos aleatórios, com pagamento de prêmio em
razão da ocorrência ou não de evento futuro e incerto. A disƟnção estaria no fato de, ao contrário da
aposta, haver no jogo a contribuição das partes para a realização ou não do evento⁴.

2.2. A história

Uma digna digressão histórica sobre o surgimento dos jogos e apostas, bem como sobre seus possíveis efeitos nas emoções e psiquê humana, poderia ter como ponto de partida as civilizações da Antiguidade5 ou mesmo se iniciar no Período Paleolítico. Da diversão à compulsão, do passatempo ao vício, o tema foi abordado em obras icônicas, como O jogador, em que Fiódor Dostoiévski, conhecedor de roletas, construiu um protagonista com um pouco de si6.

Ao longo dos séculos, nações tiveram diversas abordagens acerca desse fenômeno: de proibição a permissão, passando por regimes intermediários com maior ou menor intervenção do Estado.

Critérios sociais, econômicos e até bélicos foram levados em conta nessas definições. De ludopatia a impacto positivo para fins fiscais, diversos são os argumentos a favor ou contra a permissão do fenômeno, conforme exposto nas referências citadas ao longo do artigo e nas longas discussões que, no Congresso Nacional, antecederam a Lei nº 14.790/23.

3. LEI E REGULAMENTAÇÃO NACIONAL

3.1. Brasil: de 1808 a 2018

Em linha do tempo e contexto nacional, sabe-se que o jogo perdurou no país de 1808, com a vinda da Família Real Portuguesa, até o início da repressão por meio de normas – iniciada com a promulgação do Decreto-Lei nº 3.688/1941, a Lei de Contravenções Penais7, que tipificou como ilícito penal as condutas descritas em seu artigo 50, cuja atual redação é:

Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele.

 

Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos móveis e objetos de decoração do local.

  • 1º A pena é aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo pessoa menor de dezoito anos.
  • 2º Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador.
  • 3º Consideram-se jogos de azar:
  1. o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;
  2. as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;
  3. as apostas sobre qualquer outra competição
  • 4º Equiparam-se, para os efeitos penais, a lugar acessível ao público:

 

  1. a casa particular em que se realizam jogos de azar, quando deles habitualmente participam pessoas que não sejam da família de quem a ocupa;
  2. o hotel ou casa de habitação coletiva, a cujos hóspedes e moradores se proporciona jogo de azar;
  3. a sede ou dependência de sociedade ou associação, em que se realiza jogo de azar;
  4. o estabelecimento destinado à exploração de jogo de azar, ainda que se dissimule esse

Ocorre que, mesmo após a Lei de Contravenções Penais, ainda havia a exploração de jogos por meio de licenças concedidas a título precário, como se denota, por exemplo, pelo Decreto-Lei nº 5.089/428 e pelo Decreto-Lei nº 5.192/439, que se referiam a exploração de jogos em estâncias hidroterápicas, balneárias ou climáticas no Distrito Federal.

A proibição materialmente efetiva se deu pelo Decreto nº 9.215/194610, promulgado pelo então Presidente Eurico Dutra, que restaurou a plena vigência do artigo 50 da Lei de Contravenções Penais, declarando nulas quaisquer licenças concessões ou autorizações relacionadas à exploração dos jogos de azar 11.

Dos anos 1946 até 2023, diversos foram os projetos de lei voltados a autorizar total ou parcialmente os jogos de azar no Brasil. Houve, inclusive, empresários que apostaram alto na aprovação de tais normas, como no conhecido caso de Sílvio Santos, que, no final dos anos 1990, adquiriu hotel-cassino no Guarujá12.

O tema ganhou impulso com a promulgação da Lei nº 13.756/1813 no Governo Michel Temer, norma essa que, em seu artigo 29, previu a criação da aposta de quota fixa no Brasil.

3.2. A Lei nº 14.790/2023

No último dia útil de 2023, 29 de dezembro, houve a publicação da já mencionada Lei nº 14.790/23 que tratou a aposta de quota fixa como modalidade de lotérica, definindo-a como atividade permitida no país, com alteração do artigo 29 da Lei nº 13.756/2018, que assim dispõe:

Art. 29. Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço público, denominada aposta de quota fixa, cuja exploração comercial ocorrerá no território nacional.

  • 1º A modalidade lotérica de que trata o caput deste artigo consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais ou virtuais em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico
  • 2º A loteria de apostas de quota fixa será autorizada, em caráter oneroso, pelo Ministério da Fazenda e será explorada, exclusivamente, em ambiente concorrencial, sem limite do número de autorizações, com possibilidade de ser comercializada em quaisquer canais de distribuição comercial, observado o disposto em lei especial e na regulamentação.
  • 3º O Ministério da Fazenda regulamentará o disposto neste artigo.

Salvo melhor juízo, a definição foi precisa ao classificar a aposta de quota fixa dentro da modalidade lotérica, o que torna a autorização compatível com a Lei de Contravenções Penais e, portanto, permitida no país.

A exemplo dos demais países mencionados no Item 4, a Lei nº 14.790/23, em seu artigo 4º, definiu a necessidade de licença do Estado para a exploração da atividade. No caso brasileiro, o órgão responsável é o Ministério da Fazenda.

3.3. A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA/MF)

Em janeiro de 2024, foi criada a SPA/MF14, autorizada a regular o setor, inclusive aspectos relacionados a PLD/FTP.

De 23 de fevereiro de 2024 a 31 de julho de 2024, a SPA/MF emitiu 17 portarias (uma delas apenas retificando artigo de portaria anterior). Destas, pela conexão com este artigo, citamos:

  1. Portaria Normativa SPA/MF nº 622/24, que estabelece regras para as transações de pagamento inerentes ao sistema de apostas de quota fixa;
  2. Portaria SPA/MF nº 722/24, que define o funcionamento dos sistemas de apostas;
  3. Portaria SPA/MF nº 827/24, que estabelece os requisitos para os pedidos de autorização para a atuação no segmento;
  4. Portaria SPA/MF nº 1.143/24, que dispõe sobre política, procedimentos e controles internos de PLD/FTP;
  5. Portaria SPA/MF nº 207/24, que estabelece requisitos técnicos para funcionamento e homologação dos jogos online e estúdios de jogos ao vivo;
  6. Portaria SPA/MF nº 1.225/24, que regulamenta o monitoramento e a fiscalização das atividades de exploração da modalidade lotérica de apostas de quota fixa; e
  7. Portaria SPA/MF nº 1.233/24, que regulamenta o regime sancionador no âmbito da exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa.
3.4. PLD/FTP aplicado a apostas de quota fixa

As sociedades que explorem loterias, inclusive apostas de quota fixa, são pessoas obrigadas às práticas de PLD/FTP, conforme disposto no artigo 9º, inciso VI, da Lei nº 9.613/98, alterada pela Lei nº 14.183/2115.

Pelo Decreto 11.907/202416, cabe à SPA/MF regular, fiscalizar e penalizar condutas que descumpram a Lei nº 9.613/1998.

Por sua vez, a Portaria Normativa MF nº 1.330/202317, em seu artigo 12, determina que as comunicações de atividades suspeitas sejam feitas diretamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“COAF”), por meio do sistema usual, o SISCOAF (www.coaf.gov.br).

A exigência de implementação de um programa de PLD/FTP pelo agente operador de aposta consta na Portaria SPA/MF nº 1.143/24.

4. MELHORES PRÁTICAS E DIREITO COMPARADO

  • GAFI

Nas Recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (“GAFI”)18, cassinos – e, por consequência, todo o setor de jogos e apostas online -, são considerados atividades e profissões não- financeiras designadas com risco considerável de serem usados como meio para lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Neste sentido, são objeto de práticas PLD/FTP.

O GAFI possui dois materiais relevantes, editados antes da escalada exponencial de jogos e apostas no Brasil, voltados à indústria de jogos:

  1. FATF Guidance on the Risk-Based Approach for Casinos, de 200819; e
  2. Vulnerabilities of Cassinos and Gaming Sectors, de 200920.
4.2. Moneyval

O Comitê de Peritos sobre a Avaliação de Medidas de Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (“Moneyval”), entidade ligada ao Conselho da Europa, também possui relatório de pesquisa ligado ao tema, o The use of online gambling for money laundering and the financing of terrorism purposes, de 201321

4.3. Jurisdições Comparadas

No panorama global, há diversas formas de tratamento de jogos e apostas: desde permissão, sob requisitos técnicos, de várias modalidades, inclusive para setores privados, àquelas que utilizam monopólio estatal para loterias ou que os vedam totalmente.

Para fins de comparação, no contexto PLD/FTP, este artigo elegeu: o Reino Unido, pela ampla tradição no tema; Curaçao, pelas diversas empresas que, lá sediadas, são casas de aposta online com sites voltados ao Brasil; e Portugal, em razão dos laços comuns existentes em termos de legislação.

Apesar da relevância, respectivamente, em tamanho de indústria e em páginas em português voltadas ao Brasil, a opção foi não incluir análise específica sobre Estados Unidos da América e Malta.

4.3.1.      Reino Unido

No Reino Unido, o Gambling Act de 200522 reformulou e unificou, com exceção da National Lottery, toda a regulação aplicável a jogos de azar, vistos, em tal jurisdição, como o conjunto universo no qual se incluem as apostas, ali denominadas sob termo bettings23. O Gambling Act de 2005 é uma norma extensa, que, além de estabelecer os tipos de jogos de azar, as licenças, crimes e requisitos atrelados, estabelece em sua Seção 20, o órgão denominado Gambling Commission, composto por um presidente e outros comissionários indicados pela Secretaria de Estado.

Na forma da The Money Laundering, Terrorist Financing and Transfer of Funds (Information on the Payer) Regulations 201724, a Gambling Commission é o órgão responsável por acompanhar e garantir a implementação de controles PLD/FTP pelos cassinos. A Gambling Commission publica constantemente orientações ao setor em seção de sua página na Internet25 e, ainda, disponibiliza relatório de avaliação de risco periodicamente, sendo o último o de novembro de 2023, denominado The 2023 money laundering and terrorist financing risks within the British gambling industry26.

4.3.2. Curaçao

Em Curaçao, a supervisão do setor de jogos e apostas compete à Curaçao Gambling Commission Board (“GCB”), que, em conjunto com o Banco Central de Curaçao e Saint Martin e a unidade de inteligência financeira local, firmou compromisso de colaboração para práticas PLD/FTP27 para o setor de jogos e apostas, inclusive os online, permitidos no país desde 1993.

A GCB foi nomeada a entidade supervisora de cassinos e jogos online em fevereiro de 2019, com efeitos retroativos a janeiro de 2016. O país conta com regulação específica sobre o tema, detalhada em material específico divulgado no site da GCB28, sendo que a regulação das concessões de licenças é dada pela norma National Ordinance on Offihore Games of Hazard (Landsverordening buitengaatse hazardspelen, P.B. 1993, no. 63) (NOOGH).

Neste ano de 2024, Curaçao atua no sentido de buscar a modernização da legislação aplicável ao setor, por meio da The National Ordinance on Games of Chance, LOK, 2024, que, conforme informações disponíveis na página da GCB, ampliará os poderes desta entidade para todos os jogos de azar.

4.3.3.      Portugal

Portugal, por sua vez, conta com o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (“SRIJ”), que responde ao Ministro da Economia e do Mar, conforme Decreto-Lei nº 422/198929, e é responsável por fiscalizar e regular o setor. Em 2015, há a publicação do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, por meio do Decreto-Lei nº 66/201530, prevendo as apostas à cota. O sistema português também determina a necessidade de licenças para a exploração da atividade no país.

5.  TIPOLOGIAS DE LAVAGEM DE DINHEIRO EM APOSTAS ONLINE

A lavagem de dinheiro é um processo criminoso que envolve o disfarce da origem ilícita de fundos obtidos de atividades ilegais, tornando-os aparentes como legítimos. Este processo é essencial para que criminosos possam integrar seus lucros no sistema financeiro sem levantar suspeitas.

Nos últimos anos, o mercado de apostas online tem se destacado como um ambiente propício para a lavagem de dinheiro, devido à sua natureza anônima e transnacional. A falta de regulamentação robusta e as brechas existentes nas legislações de muitos países criam um terreno fértil para que lavadores de dinheiro utilizem plataformas de apostas online para mascarar a origem de fundos ilícitos. Os criminosos aproveitam-se da facilidade com que podem criar contas, movimentar grandes quantias rapidamente e a dificuldade das autoridades em rastrear transações entre múltiplas jurisdições.

A complexidade e a velocidade das transações online dificultam a detecção de atividades suspeitas. Além disso, muitos agentes operadores de apostas online podem estar sediados em jurisdições com regulamentação fraca ou inexistente, o que torna o monitoramento e a aplicação de medidas de combate à lavagem de dinheiro ainda mais desafiadoras. Como resultado, as plataformas de apostas online se tornaram um canal atraente para a lavagem de dinheiro, permitindo que fundos provenientes de atividades criminosas sejam integrados ao sistema financeiro global de maneira disfarçada e eficaz.

A seguir, listamos algumas tipologias usadas no modelo vigente no país de realização de apostas online, uso de websites estrangeiros, bem como o modelo vigente a partir de janeiro de 2025, de agentes operadores sediados no Brasil.

5.1  Conluio com Operadores de Websites em jurisdições Offshore

A colusão com operadores de websites offshore é uma prática de lavagem de dinheiro que envolve a colaboração estreita entre lavadores de dinheiro e operadores de sites de apostas online situados em jurisdições onde as regulamentações financeiras são deficientes, mal definidas ou até mesmo inexistentes. Nessa tipologia de lavagem de dinheiro, os operadores de tais sites desempenham um papel crucial ao facilitar a movimentação de grandes quantias de origem ilícita. Eles permitem que esses fundos sejam inicialmente depositados nas plataformas de apostas, onde podem ser apostados de diversas maneiras. Posteriormente, esses fundos são retirados da plataforma como se fossem ganhos legítimos provenientes das apostas realizadas. Essa colaboração entre lavadores de dinheiro e operadores de websites offshore permite que grandes somas de dinheiro sujo sejam lavadas e integradas ao sistema financeiro formal com relativa facilidade, disfarçando a verdadeira origem criminosa dos recursos.

Exemplo Prático:

João, um lavador de dinheiro, possui R$100.000,00 obtidos de atividades criminosas que ele precisa legitimar. Ele escolhe um site de apostas offshore localizado em uma jurisdição conhecida por sua regulamentação no setor de apostas que não está bem definida pelas autoridades. João deposita os R$100.000,00 em uma conta de apostas no site. Para disfarçar a origem do dinheiro, ele realiza algumas apostas mínimas, garantindo que a maior parte dos fundos permaneça intacta. Após um curto período, João retira R$95.000,00 da conta, agora sob a forma de ganhos de apostas. O operador do site retém uma comissão de R$5.000,00 como parte do conluio. João então declara esses “ganhos” às autoridades fiscais e utiliza os fundos para fins legítimos, efetivamente lavando o dinheiro.

5.2  Criação de Empresas em Jurisdições Offshore

A criação de empresas em jurisdições offshore envolve o estabelecimento de uma entidade legal em uma localidade reconhecida por suas regulamentações financeiras deficientes. Essas jurisdições são frequentemente escolhidas por lavadores de dinheiro devido à sua permissividade em relação às atividades financeiras e ao alto nível de sigilo que oferecem. Uma vez estabelecida, a empresa offshore é utilizada para obter uma licença de apostas online, o que lhe permite operar legalmente nesse setor. Essa empresa serve então como um veículo para a lavagem de dinheiro, facilitando a movimentação de fundos ilícitos através das apostas online. Os fundos são depositados, apostados e, finalmente, retirados como ganhos aparentemente legítimos, disfarçando assim a origem criminosa dos recursos.

Exemplo Prático:

Maria, uma criminosa, precisa legitimar R$500.000,00 obtidos de atividades ilícitas. Ela decide criar uma empresa em uma jurisdição offshore, como as Ilhas Cayman. Maria usa identidades falsas para registrar a empresa e solicita uma licença de apostas online. Uma vez licenciada, a empresa de Maria aceita apostas de jogadores de todo o mundo. Maria deposita os R$500.000,00 na conta da empresa, misturando esses fundos com as receitas das apostas. Após algumas transações para disfarçar a origem do dinheiro, Maria retira R$450.000,00 como lucros da empresa, aparentemente legítimos.

5.3  Conluio com Jogadores Profissionais

O conluio com jogadores profissionais é uma técnica que envolve a colaboração entre lavadores de dinheiro e jogadores de alta habilidade em plataformas de apostas online. Esses jogadores profissionais, que possuem um profundo conhecimento dos jogos e apostas, são recrutados pelos lavadores de dinheiro para ajudar na movimentação de grandes somas de dinheiro ilícito. Em troca de uma comissão, os jogadores utilizam suas habilidades para manipular os resultados de jogos e apostas, facilitando a lavagem de dinheiro.

Os lavadores de dinheiro depositam fundos ilícitos nas contas de apostas dos jogadores profissionais. Esses jogadores, então, participam de jogos e apostas de alto valor, utilizando estratégias específicas para garantir que o dinheiro seja movimentado de forma eficaz e disfarçada. Os ganhos resultantes dessas apostas são, posteriormente, retirados como fundos aparentemente legítimos.

Essa prática é vantajosa para os lavadores de dinheiro, pois os jogadores profissionais conseguem operar de maneira que não levante suspeitas, graças à sua reputação e habilidade reconhecida nas plataformas de apostas. Ao mesmo tempo, os jogadores profissionais se beneficiam das comissões recebidas por seus serviços, criando uma relação mutuamente benéfica.

A complexidade e a sofisticação desse método de lavagem de dinheiro tornam a detecção e a investigação mais difíceis para as autoridades regulatórias, uma vez que as transações podem parecer legítimas e fruto do sucesso nas apostas e jogos. Dessa forma, o conluio com jogadores profissionais permite que grandes somas de dinheiro ilícito sejam integradas ao sistema financeiro de maneira disfarçada e eficiente.

Exemplo Prático:

Carlos, um lavador de dinheiro, possui R$50.000,00 de origem criminosa que precisa legitimar. Ele faz um acordo com João, um jogador profissional de poker. Carlos deposita os R$50.000,00 na conta de João. Em seguida, João faz o depósito na casa de apostas e, utilizando suas habilidades, participa de vários torneios de poker, recuperando R$45.000,00 como ganhos. Ele mantém R$5.000,00 como comissão e transfere os R$40.000,00 restantes de volta para Carlos. Esses fundos agora parecem legítimos e podem ser usados sem levantar suspeitas.

5.4  Uso de Identidades Falsas

O uso de identidades falsas é uma prática comum na lavagem de dinheiro, onde os lavadores de dinheiro criam contas de apostas online utilizando informações fictícias ou roubadas. Essa técnica permite que grandes somas de dinheiro sejam movimentadas sem levantar suspeitas, pois as transações são realizadas sob identidades que não podem ser facilmente rastreadas até os verdadeiros perpetradores.

Para implementar essa prática, os lavadores de dinheiro obtêm informações pessoais de terceiros, muitas vezes por meio de roubo de identidade ou comprando dados no mercado negro. Em seguida, eles utilizam essas informações para criar múltiplas contas de apostas online. Em algumas plataformas, a falta de verificação rigorosa de identidade facilita a abertura dessas contas com informações falsas.

Uma vez que as contas são estabelecidas, os lavadores de dinheiro depositam fundos ilícitos nas mesmas. Eles então utilizam essas contas para fazer apostas e participar de jogos online. As apostas são geralmente estruturadas de forma a minimizar perdas, e os ganhos são retirados como fundos aparentemente legítimos. Ao espalhar os fundos através de várias contas e transações, os lavadores conseguem disfarçar a origem dos recursos.

A eficácia desse método é aumentada pela falta de supervisão eficiente nas plataformas de apostas. Muitas dessas plataformas priorizam a facilidade de acesso e a conveniência dos usuários, negligenciando procedimentos robustos de verificação de identidade. Isso cria uma oportunidade para os lavadores de dinheiro explorarem as lacunas no sistema e movimentarem grandes somas de dinheiro sem serem detectados.

Além disso, ao utilizar identidades falsas, os lavadores de dinheiro conseguem evitar associações diretas com as contas e transações suspeitas, tornando a investigação e a identificação dos verdadeiros criminosos mais difíceis para as autoridades. Essa prática complexa e furtiva destaca a importância de uma verificação de identidade mais rigorosa no processo de Know Your Customer (KYC) e de medidas de segurança aprimoradas nas plataformas de apostas online para combater a lavagem de dinheiro.

Exemplo Prático:

Julia, uma criminosa, possui R$30.000,00 provenientes de atividades ilícitas que precisa legitimar. Ela cria várias contas de apostas online utilizando identidades falsas, incluindo nomes e endereços fictícios. Julia deposita R$ 5.000,00 em cada conta e realiza algumas apostas mínimas para simular atividade. Após algumas semanas, ela retira os fundos das contas como ganhos legítimos, totalizando R$ 28.000,00, e fecha as contas. Esses fundos agora parecem legítimos e podem ser usados sem levantar suspeitas.

5.5  Uso de Identidades Roubadas

O uso de identidades roubadas consiste na criação de contas de apostas online utilizando informações pessoais roubadas. Este método permite que os lavadores de dinheiro depositem, apostem e retirem fundos de forma dissimulada, ocultando a verdadeira identidade dos criminosos envolvidos e, consequentemente, dificultando a detecção pelas autoridades regulatórias.

Para executar essa técnica, os lavadores de dinheiro obtêm dados pessoais de vítimas, como nomes, endereços, números de identificação e outras informações sensíveis. Esses dados podem ser adquiridos através de diversas maneiras, incluindo ataques cibernéticos, phishing, compra de informações no mercado negro ou até mesmo roubo físico de documentos.

Uma vez de posse dessas informações, os lavadores de dinheiro criam várias contas em plataformas de apostas online. Utilizando essas identidades roubadas, eles depositam fundos de origem ilícita nas contas recém-criadas. Em seguida, participam de apostas e jogos online, estruturando suas atividades de modo a minimizar perdas e maximizar a aparência de legitimidade dos ganhos. Os fundos apostados são então retirados como se fossem ganhos legítimos, dificultando a rastreabilidade do dinheiro.

A utilização de identidades roubadas não apenas oculta a verdadeira identidade dos lavadores de dinheiro, mas também coloca as vítimas em risco de serem erroneamente associadas a atividades criminosas. Isso complica ainda mais as investigações, pois as autoridades precisam desvendar a verdadeira origem das transações e fazer a distinção entre vítimas e criminosos.

Exemplo Prático:

Roberto, um lavador de dinheiro, possui R$20.000,00 de origem criminosa que precisa legitimar. Ele obtém informações pessoais roubadas de várias vítimas e cria contas de apostas online usando essas identidades. Roberto deposita R$5.000,00 em quatro contas diferentes e realiza apostas mínimas para simular atividade legítima. Após alguns dias, ele retira R$18.000,00 das contas como ganhos de apostas e fecha as contas. Os fundos agora parecem legítimos e estão inseridos no sistema financeiro.

5.6  Jogos Peer-to-Peer (P2P)

A lavagem de dinheiro através de jogos Peer-to-Peer (P2P) envolve a colaboração estratégica entre lavadores de dinheiro e cúmplices para realizar transações financeiras disfarçadas como apostas legítimas. Os jogos P2P, como o poker online, são particularmente suscetíveis a essa prática, uma vez que permitem transferências diretas de fundos entre jogadores nas plataformas de apostas sem a intermediação de uma entidade centralizadora que possa monitorar e reportar atividades suspeitas.

Nesta modalidade dois ou mais jogadores de forma premeditada entram em uma sala e realizam apostas de forma que haja um único ganhador previamente definido. A casa de apostas fica com uma porcentagem da partida e o ganhador leva o prêmio de forma legítima. Quando este posteriormente realiza as retiradas, o recurso é identificado como sendo de ganhos legítimos de apostas.

Exemplo Prático:

Felipe, um lavador de dinheiro, possui R$10.000,00 de origem criminosa que precisa legitimar. Ele faz um acordo com três cúmplices para participar de um torneio de poker online. Felipe deposita os R$10.000,00 em sua conta de apostas e durante o torneio, seus cúmplices perdem deliberadamente para ele, transferindo os fundos. Felipe então retira R$9.500,00 como ganhos legítimos, enquanto os cúmplices recebem R$500,00 como comissão.

  • Uso de E-Wallets

O uso de e-wallets, ou carteiras eletrônicas, é uma técnica que envolve a utilização dessas ferramentas digitais para depositar, transferir e retirar fundos de plataformas de apostas online. As e- wallets oferecem um meio conveniente para realizar transações financeiras de forma rápida e, frequentemente, anônima, o que dificulta a detecção de atividades ilícitas pelas autoridades regulatórias.

Exemplo Prático:

Laura, uma criminosa, possui R$15.000,00 provenientes de atividades ilícitas que precisa legitimar. Ela cria uma conta de e-wallet e deposita os R$15.000,00 através de um serviço de remessa de dinheiro. Laura transfere os fundos da e-wallet para sua conta de apostas online e realiza algumas apostas mínimas para simular atividade legítima. Após algumas semanas, ela retira R$14.000,00 de volta para a e-wallet como ganhos de apostas. Os fundos agora parecem legítimos e podem ser usados para compras online ou transferidos para uma conta bancária sem levantar suspeitas.

6.  A VISÃO DAS PROCESSADORAS DE PAGAMENTOS

O mercado de jogos e apostas no Brasil vem chamando muita atenção nos últimos anos. Com presença ativa na mídia, diante dos vários patrocínios de times de futebol e outros esportes, além de duas Comissões Parlamentares de Inquérito, as “bets” chegaram e estão presentes no dia a dia do brasileiro. Nos últimos anos e ainda hoje, esse mercado vem operando no Brasil através de pagamentos internacionais, no modelo da Resolução BCB nº 277/22. Mudando esse cenário, nos últimos dias de 2023 foi editada a Lei nº 14.790/23. Desde a edição dessa Lei, iniciou-se um processo de organização institucional que culminará, a partir de janeiro de 2025, na operação de apostas em solo brasileiro somente por casas autorizadas. Em ambos os modelos, internacional e nacional, a indústria de pagamentos desempenha papel fundamental, sendo a primeira camada de proteção do sistema de PLD/FTP, depois das próprias “bets.”

Nesta seção, trataremos dos riscos de LD/FTP enfrentados pela indústria de pagamentos que presta serviços para casas de apostas, seja no modelo internacional atual, durante a transição, e após o início do modelo nacional. Exporemos nos itens 6.1 a 6.3 o funcionamento desses modelos, o que será a base para a discussão dos riscos na visão da indústria de pagamentos, no item 6.4.

6.1  O modelo atual: pagamentos internacionais

Atualmente, o processamento de pagamentos para as operações de apostas consumidas por brasileiros se dá através de empresas facilitadoras de pagamentos internacionais, também conhecidas pela sigla “eFX”, no modelo estabelecido pela Resolução BCB nº 277/22.

Segundo esse modelo, as operadoras de eFX no Brasil recebem o pagamento dos jogadores realizados através de PIX, TED e outras formas de pagamento. Uma comunicação sistêmica entre a eFX e a casa de apostas permite a criação dos créditos de jogo instantaneamente, enquanto em paralelo os valores são remetidos ao exterior para que cheguem até a casa de apostas.

As casas de apostas estão, geralmente, localizadas no exterior, em jurisdições onde suas operações são reguladas e onde também possuem autorizações de funcionamento para tanto. As jurisdições mais comuns são Malta e Curaçao.

Em seguida, para a conclusão do mesmo serviço, eventuais prêmios e resgates de créditos de jogo são convertidos em moeda e transferidos pelas eFX aos jogadores, aqui no Brasil.

Um mesmo operador de apostas pode trabalhar com múltiplos operadores de eFX, chegando em alguns casos a cinco ou mais, que por sua vez processam as transações de pagamento ou em seus próprios sistemas, quando autorizadas, ou através de outras instituições prestadores de serviços de processamento de pagamentos.

Este modelo é similar ao utilizado por empresas como o Spotify, vinculadas diretamente ao site dos prestadores, que não se localizam presencialmente no Brasil, mas ainda assim oferecem serviços a brasileiros através da facilitação de pagamentos internacionais.

6.2  O modelo da Lei 14.790: pagamentos nacionais

O modelo que está se estruturando pela Lei nº 14.790 e pela regulamentação da Secretaria de Prêmios e Apostas – SPA, do Ministério da Fazenda, é fundamentalmente diferente. Nesse modelo, para que uma casa de apostas possa oferecer serviços a brasileiros, deverá previamente solicitar autorização de funcionamento perante a SPA. Essa autorização de funcionamento deverá ser solicitada para uma pessoa jurídica localizada no Brasil, criada exclusivamente para esse fim e que deverá pagar por uma outorga de valor expressivo.

Obtida a autorização, a casa de apostas poderá cadastrar usuários seguindo as regras de “conheça seu cliente” determinadas na Lei nº 14.790/23, nas regulamentações da SPA e em suas políticas internas de PLD/FTP, que devem ser adequadas ao seu risco, conforme avaliação interna.

Também, para a operação no modelo nacional, a criação de créditos de jogo somente poderá ser feita mediante uma transação de pagamento que parta de uma conta transacional previamente registrada na casa de apostas pelo jogador. Essa conta registrada deverá ser de titularidade do jogador (ou seja, detida pelo mesmo CPF) e localizada em uma instituição autorizada a operar pelo Banco Central do Brasil.

O resgate de créditos de jogo, por sua vez, somente poderá ser feito para uma conta transacional registrada pelo jogador, nos mesmos moldes. As regras atuais impõem que a casa de apostas concretize quaisquer solicitações de resgate em até 120 minutos da solicitação e veda a imposição de quaisquer limites aos resgates.

6.3  Transição do modelo internacional para o modelo nacional

A transição do modelo internacional para o modelo nacional gera desafios que precisam ser solucionados. Em primeiro lugar, o modelo eFX é incompatível com o modelo da Lei nº 14.790/23. Ou seja, eventuais créditos de jogo criados no modelo internacional não podem ser automaticamente transferidos para o modelo nacional, pelas seguintes razões:

  • No modelo internacional, o braço operacional das casas de apostas é uma empresa estrangeira, que não detém CNPJ e nem conta bancária no Brasil, sendo que o braço operacional no modelo nacional, ainda que a marca se mantenha igual, será necessariamente uma nova empresa;
  • Não há garantia, sem uma análise individualizada, de que os processos de “conheça seu cliente”, atualmente utilizados pelas casas de apostas, sejam condizentes com as exigências da Lei nº 14.790/23 e das portarias da SPA, sendo necessária sua complementação; e
  • Já que a conta de onde parte a transação de pagamento que origina os créditos de jogo no modelo nacional somente pode ser de titularidade do próprio jogador, não é possível que créditos sejam criados por uma transferência monetária entre o braço operacional do modelo internacional, ou quaisquer outros terceiros e o braço operacional do modelo nacional.

Essa incompatibilidade entre o modelo eFX e a Lei nº 14.790/23 faz com que seja necessário um processo de transição que considere o cumprimento das regras aplicáveis aos dois modelos.

Como não há viabilidade jurídica para a simples transferência de um modelo para o outro, a solução será garantir que, de alguma forma, todos jogadores que atualmente possuem conta no modelo internacional: (i) complementem seus cadastros ou criem cadastros novos, de modo a adequá-los para o modelo nacional; (ii) resgatem os saldos atuais no modelo internacional para contas transacionais de sua titularidade; e (iii) criem novos créditos de jogo através de transferências que partam de contas registradas de sua titularidade.

Para as operadoras de eFX, essa transição gera um problema crítico, que se relaciona com o risco de LD/FTP: o que fazer com os créditos de jogo dos jogadores que não forem capazes de completar seus cadastros no modelo nacional? Um usuário que é incapaz ou reticente a completar seu próprio processo de “conheça seu cliente” representa risco de LD/FTP ou mesmo de fraude, então o que fazer com esses créditos de jogo? A princípio a solução que parece mais natural seria impedir o uso de tais créditos para novas apostas, retê-los até que o jogador seja capaz de completar seu cadastro e deixá- los disponíveis para saque. Não obstante, a cada processadora de pagamento restará o esforço de se empenhar para resolver tais casos. Para tanto, seria bem-vinda regulação específica, que traga segurança jurídica a todos os envolvidos, sendo fundamental o cumprimento da legislação aplicável.

6.4  Tipologias de LD/FT na visão das processadoras de pagamentos

Com base nas dinâmicas apresentadas nas seções anteriores, podemos agora então nos aprofundar nas tipologias de LD/FTP que surgem do mercado de apostas na visão das processadoras de pagamentos. Para a compreensão dessa visão, algumas premissas se fazem fundamentais:

  • As processadoras de pagamentos não têm normalmente uma visão global sobre o fluxo financeiro de uma casa de apostas, ou mesmo de um único Casas de apostas utilizam mais de um processador de pagamentos, por questões de performance e segurança, o que pode chegar a cinco ou mais processadores;
  • As processadoras de pagamentos têm informações restritas sobre os jogadores, já que seus clientes diretos são as casas de apostas – é destas casas que as processadoras de pagamentos fazem o “conheça seu cliente”; e
  • Independentemente das novas dinâmicas trazidas pelo mercado de apostas no Brasil, para as processadoras de pagamentos as principais regras de PLD/FTP aplicáveis continuam sendo a Circular BCB nº 3.978/20 e a Carta Circular BCB nº 4.001/20.

Apresentadas as premissas acima, podemos nos aprofundar nas dinâmicas possíveis de lavagem de dinheiro específicas deste mercado. Na visão das processadoras de pagamento, separamos as possíveis práticas de lavagem em dois grupos: (i) aquelas praticadas por criminosos que se passam por jogadores; e (ii) aquelas realizadas por grupos criminosos que detêm ou participam das próprias casas de apostas.

No que diz respeito à lavagem de dinheiro praticada por criminosos que se passam por jogadores, temos algumas considerações. Nesses casos, as processadoras de pagamentos estão localizadas na segunda camada de filtros de PLD/FTP, sendo que a primeira camada são as próprias casas de apostas. Para esses casos, quem possui informação privilegiada para a identificação de tipologias são as próprias casas de apostas, já que elas têm uma visão completa de cada usuário, incluindo quais jogos são utilizados, padrões de comportamento na plataforma, informações de cadastro, prêmios

recebidos etc. A visão das processadoras de pagamentos, nesses casos, fica restrita às ordens de aporte e resgate que são encaminhadas pelas casas de apostas.

Em resumo, as práticas de LD/FTP em operadores de apostas se resumem a alguma espécie de “jogo mínimo”, ou seja, a alguma estratégia de jogo que garanta ao jogador perdas mínimas, de tal modo que este não coloque em risco parte substancial dos valores auferidos da atividade criminosa, mas ao mesmo tempo consiga, ainda que apenas para parcela dos valores, a justificativa de origem dos recursos decorrentes de um ganho em apostas. Na visão das processadoras de pagamento, esses movimentos podem aparecer através de uma das seguintes formas:

  • Transações de entrada e saída em valores muito próximos, de forma A tendência natural é que os resgates sejam em valor maior que os aportes. Essa dinâmica pode ficar obscurecida no modelo atual, em que normalmente há limites de resgate, mas deverá ficar mais evidente no modelo nacional, em que não haverá restrição ao resgate.
  • Número de transações de resgate muito acima da média para um mesmo jogador. Essa métrica pode ser obscurecida pelo uso de múltiplos processadores de pagamento, pelas casas de apostas, de modo que essa premissa deve ser considerada na análise de risco das operações.
  • Número de transações incompatível com jogadores Em determinados casos pode- se identificar uso de robôs para a realização das operações de “jogo mínimo” e é possível que esses padrões transpareçam para os processadores de pagamentos.
  • Operação com conta falsa ou conta laranja. Ainda que os processadores de pagamentos não tenham acesso aos “conheça seu cliente” completos dos jogadores, mesmo no modelo internacional, é praxe se checar os CPFs dos usuários contra bases públicas ou privadas. Nessas checagens é possível identificar-se padrões como menores de idade, falecidos, , o que pode indicar tratar-se de contas falsas ou laranjas. Ainda sobre isso, a nota interpretativa nº 2 à recomendação 22 do GAFI apresenta como boa prática a verificação da identidade de quem transaciona em casas de apostas, virtuais ou online, igual ou maior a USD/EUR 3.000,00. Transações a partir desse nível já possuem maior grau de risco, e devem ser tratadas de forma diferenciada, mesmo na visão das processadoras de pagamentos.
  • “Desaparecimento” do usuário na transição do modelo internacional para o Esse movimento poderá ser mascarado pelo uso de múltiplos processadores de pagamento, mas a depender das situações poderão ser identificados. Hoje não se sabe ao certo a quantidade de contas falsas e de laranjas abertas em casas de apostas. Na transição do modelo internacional para o nacional, os processos de “conheça seu cliente” serão padronizados e a tendência é que os titulares de contas falsas ou de laranjas não sejam capazes de continuar jogando, sendo de se esperar que “desapareçam.”

As operações de LD/FTP praticadas por grupos criminosos que detêm ou participam de casas de apostas, por sua vez, são a principal preocupação das processadoras de pagamentos. Nesses casos, as processadoras são o primeiro filtro do sistema contra LD/FTP, já que os controles das próprias casas, para essas operações, estarão “desligados”. Ainda assim, as processadoras de pagamentos têm uma dificuldade que é a impossibilidade de monitoramento do fluxo financeiro global das casas, mas dentro de suas limitações podem estabelecer controles. Levando essas dificuldades em consideração, alguns padrões podem ser identificados:

  • Atipicidades no processo de “conheça seu cliente”: grupos criminosos que detenham ou participem de operações tão complexas quanto jogos e apostas são também sofisticados e dificilmente irão expor nomes conhecidos das autoridades nas estruturas de controle e administração dessas casas, especialmente quando nos referimos ao modelo nacional, que exigirá autorização prévia. Por parte das processadoras de pagamentos, faz-se necessária uma diligência detalhada, especialmente procurando-se por indícios de administradores ou mesmo controladores laranja, bem como questionando qualquer atipicidade apresentada nas documentações, conforme tipologias típicas nesses processos.
  • Conjunto dos meios de pagamento aceitos pela casa: esse risco será substancialmente reduzido no modelo nacional, mas hoje ainda é relevante. Casas de apostas que aceitam meios de pagamento não rastreáveis, ou que procurem estabelecer fluxos financeiros desvinculados de pessoas, a exemplo dos criptoativos, devem ser vistas como de maior
  • Transações de e para contas de terceiros. O aceite de transações de pagamento de e para contas de terceiros, mesmo no atual modelo internacional, é um forte indicador de Não há justificativa legítima para que um sujeito esteja apostando com recursos de terceiros, ou mesmo de empresas. Trata-se de uma atividade estritamente pessoal. Muitos processadores de pagamento já rejeitam pagamentos de terceiros e controlam as contas de origem e destino do dinheiro, mas ainda há processadores que aceitam tais pagamentos. A nova legislação acerta ao proibir tais transações.
  • Fluxos substanciais de e para contas falsas ou de laranjas. Em atividade cooperativa, as processadoras de pagamentos podem identificar contas com indício de serem falsas ou de laranjas. Ainda que de difícil identificação, operadores de apostas podem se utilizar dessa ferramenta para a geração de fluxos falsos de apostas em suas plataformas, orientados à lavagem de capitais.
  • Operações para PEPs que indiquem pagamentos, mensalidades e benefícios. Todas as operações com PEP possuem maior grau de risco de LD/FT. Dentre essas operações, podemos identificar pagamentos recorrentes e de mesmo valor ou de valor similar, semanais ou mensais, que podem indicar mesadas pagas pela casa de Essas operações podem ser mascaradas pela multiplicidade de processadores de pagamentos.
  • Padrões transacionais incompatíveis com apostas. Há alguns padrões esperados em operações de apostas. Aportes em maior número e em menor valor que as retiradas, com picos em períodos de grandes eventos esportivos, estão entre eles. Ainda que tais padrões possam ser obscurecidos pela pluralidade de processadores de pagamento, identificada essa normalidade, movimentações atípicas podem representar movimentos de LD/FTP praticados pelas casas. Por exemplo, quantidade desproporcional de resgates para um mesmo CPF.

Diante do exposto acima, identificamos padrões de LD/FTP que podem aparecer para os processadores de pagamentos referente às operações de apostas. Esses processadores estão localizados em posição estratégica para a identificação de padrões relacionados a práticas ilícitas pelas próprias casas de apostas, ainda que dentro de suas limitações e menos para padrões relacionados aos usuários. Desta forma, uma possível solução seria o monitoramento, pelas autoridades, das movimentações financeiras globais dos operadores também com o viés de PLD/FTP. No mais, para além dos padrões aqui esboçados, as processadoras mantêm seu olhar através das regras vigentes do Banco Central do Brasil, sobretudo Circular nº 3.978/20 e Carta Circular nº 4001/20.

7.  PROGRAMA DE PLD/FTP DO AGENTE OPERADOR DE APOSTA

A Recomendação nº 18 do Gafi estabelece que as instituições com deveres de PLD/FTP devem implementar programa de PLD/FTP.

Segundo a Nota Interpretativa da Recomendação nº 18, um programa de PLD/FTP deve incluir:

  • o desenvolvimento de políticas, procedimentos e controles internos, inclusive acordos de gerenciamento de conformidade apropriados e procedimentos de investigação adequados para garantir altos padrões na contratação de empregados;
  • um programa contínuo de treinamento de funcionários; e
  • uma função de auditoria independente para testar o sistema.

Conforme essa nota interpretativa, os procedimentos de PLD/FTP devem ser implementados considerando o risco de LD/FTP, ou seja, o emprego da abordagem baseada no risco (ABR).

De acordo com o artigo 8º da Lei nº 14.790/23, políticas, procedimentos e controles internos de PLD/FTP integram o rol de políticas corporativas obrigatórias, sendo sua existência condição para expedição e manutenção da autorização para exploração de apostas de quota fixa.

Seguindo as boas práticas e normas dos reguladores, um programa de PLD/FTP deve incluir: avaliação interna de risco; política institucional; procedimentos de “conheça seu cliente”; procedimentos de “conheça seu colaborador”; procedimentos de “conheça seu parceiro”; procedimentos de monitoramento, seleção, análise e comunicação; capacitação; governança (designação de diretor responsável por PLD/FTP; acompanhamento do programa de PLD/FTP pela alta administração etc.); cumprimento das disposições da Lei nº 13.810/19 (sanções CSNU); auditoria interna; e avaliação de efetividade.

O programa de PLD/FTP de um agente operador de aposta possui suas especificidades, mas apresenta mais semelhanças do que diferenças em sua elaboração e posterior implementação, em comparação com os programas das demais instituições com deveres de PLD/FTP.

Considerando essas boas práticas e as normas de outros reguladores, principalmente a Circular BCB nº 3.978/20, a Secretaria de Prêmios Apostas emitiu a Portaria SPA/MF nº 1.143, em 11 de julho de 2024, dispondo sobre políticas, procedimentos e controles internos de PLD/FTP a serem adotados pelos agentes operadores de apostas que exploram apostas de quota fixa.

Nos tópicos seguintes, em observância às disposições da Portaria SPA/MF nº 1.143/24, os itens do programa de PLDFTP de um agente de operador de aposta são apresentados.

7.1  Avaliação Interna de Risco (AIR)

Em atendimento às recomendações do Gafi – mais especificamente à Recomendação nº 131 – e às normas de PLD/FTP emitidas pelos respectivos órgãos reguladores e/ou supervisores, um programa de PLD/FTP deve ter desenvolvido e implementado empregando a abordagem baseada no risco.

Dessa forma, a realização da avaliação interna de risco é etapa obrigatória e fundamental para o desenvolvimento e implementação de um programa de PLD/FTP efetivo.

No caso de um agente operador de aposta, a avaliação interna de risco consiste em avaliar o risco de as modalidades de jogos e apostas oferecidas aos clientes serem utilizadas inadvertidamente para a prática dos crimes de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo ou financiamento à proliferação de armas de destruição em massa.

A exigência de realização dessa avaliação consta no artigo 14 da Portaria SPA/MF nº 1.143/24.

Conforme disposto nessa portaria, a avaliação interna de risco deve ser realizada anualmente e deve constar no relatório anual descrito no artigo 11 dessa portaria, que deve ser encaminhado à SPA até o dia 1º de fevereiro (o que difere de outros reguladores, tais como Bacen e CVM, que demandam manter o relatório à disposição do respectivo regulador/supervisor).

Além disso, conforme o parágrafo 5º do artigo 14 da Portaria SPA/MF nº 1.143/24, a avaliação interna de risco deve documentar os riscos mensurados, as medidas adotadas para seu tratamento e correspondentes resultados.

Essa redação permite inferir que os controles de PLD/FTP devem ser avaliados na AIR e que, portanto, o resultado esperado da AIR seja o risco residual de PLD/FTP.

A avaliação interna de risco, no entanto, não se limita a avaliar o risco das modalidades de jogos e apostas. Outros perfis de risco devem ser avaliados: clientes; colaboradores; parceiros; prestadores de serviços terceirizados etc.

No entanto, há uma aparente necessidade de revisão do inciso III do parágrafo 2º do artigo 14, que estabelece que devem ser avaliados os perfis de risco de funcionários, colaboradores, fornecedores e parceiros terceirizados. Por sua vez, o artigo 21 estabelece que se deve implementar procedimentos destinados a conhecer seus funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados.

Nesse artigo, incluímos como perfis de risco a serem avaliados na AIR os de funcionários, parceiros e prestadores de serviços terceirizados, em observância ao descrito no artigo 21.

A tabela abaixo detalha as diferenças de perfis a serem avaliados em função dos mencionados artigos.

ARTIGO 14

§2º, Inciso III

ARTIGO 21

Caput

Funcionários Funcionários
Colaboradores
Fornecedores
Parceiros Terceirizados
Parceiros
Prestadores de Serviços Terceirizados

Aparentemente, por fornecedor, entenda-se parceiro; por parceiro terceirizado, entenda-se prestadores de serviços terceirizados; e por funcionários, entendam-se funcionários e colaboradores.

7.1.1  Da avaliação de risco das modalidades de jogos e apostas

As distintas modalidades de jogos e apostas oferecidas pelo agente operador de aposta apresentam distintos graus de interesse na utilização para lavagem de dinheiro. O que atrai os lavadores é a facilidade de utilização da modalidade de jogo ou aposta para lavar dinheiro.

Cabe ao agente operador de aposta identificar e mensurar o risco inerente de LD/FTP associado a cada modalidade de jogo ou aposta.

As informações utilizadas para a classificação de risco de LD/FTP de cada modalidade de jogo ou aposta devem ser descritas, bem como, quando for o caso, os critérios de agregação adotados para, a partir dessas informações, a atribuição do risco de LD/FTP à modalidade de jogo ou aposta.

O estudo de tipologias e a relação de situações descritas nos artigos 24 e 25 da Portaria SPA/MF nº 1.143/24 auxiliam na definição das informações que serão utilizadas na classificação de risco de cada modalidade de jogo ou aposta.

Por exemplo, partidas de futebol que constam em site de apostas estão sujeitas a manipulação de resultados. Essa possibilidade é maior quando a aposta não é no resultado da partida, mas sim na ocorrência de determinado evento na partida (número de cartões amarelos, por exemplo).

A manipulação de resultados pelos apostadores não é algo que ocorre em jogos de azar (por exemplo, roleta, jogo do tigrinho etc.) ou em jogos de esportes virtuais32.

Por sua vez, jogos nos quais os jogadores jogam entre si (jogos peer-to-peer, como, por exemplo, pôquer) apresentam alto risco de utilização para lavar dinheiro por meio, por exemplo, das tipologias chip dumping (os jogadores atuam em conluio em benefício de um jogador, transferindo para ele, vencedor do jogo, recursos ilícitos) e gnoming (um jogador cria contas de jogadores em dispositivos distintos e, mediante o controle dessas contas, transfere os recursos para o jogador que definir como vencedor). Cabe destacar, no entanto, que jogos que envolvem habilidade, tais como o pôquer, não estão incluídos na regulamentação da SPA.

Outra modalidade de aposta passível de manipulação de resultado é aquela oferecida por bolsas de apostas (bet Exchange), na qual os apostadores apostam entre si.

Portanto, essas modalidades apresentam riscos distintos, sendo que muitas elas podem ser objeto da tipologia que consiste em resgatar parte significativa do montante aportado pelo apostador para a realização de jogo ou aposta, sendo que apenas parcela pouca expressiva é de fato utilizada na realização do jogo ou aposta.

7.1.2  Da avaliação de risco dos clientes (jogadores/apostadores)

Os apostadores ou jogadores apresentam características próprias (profissão, idade, renda, local de residência etc.), preferências de jogos ou apostas e capacidade financeira distintas.

Com exceção das pessoas que possuem restrições específicas descritas no artigo 26 da Lei nº 14.790/23, bem como das pessoas sancionadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, não há, a princípio, por parte do operador de aposta, nenhuma restrição quanto à aceitação de um cliente.

A Lei nº 14.790/23 não dispõe sobre as informações que devem ser obrigatoriamente coletadas do apostador. O que essa lei estabelece em seu artigo 23 é adoção de procedimentos de identificação, verificação e validação de informações de identificação do apostador, exigida a utilização da tecnologia de identificação e reconhecimento facial. Além disso, conforme o parágrafo 2º do artigo 23, a confirmação da identidade do apostador deve incluir o uso de e-mail, SMS ou aplicativos de mensagens (o que implica a coleta do número de telefone).

A Portaria Normativa MF nº 1.330, de 26 de outubro de 2023, estabelece em seu artigo 16 a coleta das seguintes informações do cliente: nome completo; data de nascimento; número do documento de identificação no registro Geral (RG) ou passaporte; e o número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou documento equivalente, se estrangeiro.

A Portaria SPA/MF nº 1.143/24 inclui na relação de procedimentos de qualificação dos apostadores: a avaliação da compatibilidade entre a capacidade econômico-financeira do apostador e as operações a ele associadas; e a verificação da condição de PEP ou de pessoa relacionada a PEP (familiar até o 2º grau, representante ou estreito colaborador de PEP).

A avaliação da capacidade econômico-financeira implica, no mínimo, a obtenção da informação de renda do apostador.

Consolidando as disposições da Lei nº 14.790/23, da Portaria Normativa MF nº 1.330/23 e da Portaria SPA/MF nº 1.143/24, as seguintes informações devem ser coletadas dos clientes: nome completo; data de nascimento; número do RG; número do CPF; telefone; e-mail; condição de PEP; condição de pessoa relacionada a PEP; e renda.

As informações que o agente operador de aposta utilizará na classificação de risco de LD/FTP será função das verificações que irá fazer a partir das informações coletadas.

Por exemplo, as seguintes verificações consideradas como boas práticas contribuem para classificar o risco de LD/FTP do cliente:

a) pesquisa da condição de pessoa impedida de apostar, em atendimento ao disposto no artigo 26 da Lei nº 14.790/23;

b) pesquisa da condição de PEP;

c) pesquisa da condição de pessoa relacionada a PEP;

d) pesquisa de mídia (verificar se há mídia desabonadora para o cliente);

e)pesquisa de e-mail (verificar a utilização de mesmo e-mail por diferentes apostadores);

f)pesquisa de telefone (verificar a utilização de mesmo telefone para diferentes apostadores);

g)pesquisa de IP (verificar a utilização de um mesmo IP para diferentes apostadores).

No entanto, considerando que a situação ilícita pode-se dar tanto no aporte de recursos como no resgate resultante da aposta ou do resgate de recursos aportados e não apostados, e que o ticket médio das apostas é baixo, o montante aportado pode ser um critério delimitador do emprego das verificações acima. Ou seja, algumas dessas verificações somente seriam realizadas para os apostadores que depositarem recursos acima de determinado valor.

Aliás, o valor do aporte inicial poderia ser o critério de atribuição de risco de LD/FTP. O emprego da ABR possibilita ao agente operador de apostas despender menos esforços na classificação de risco de apostadores cujas apostas são em valores pouco expressivos. Nessa hipótese, clientes cujas apostas são de valor abaixo de um determinado limite poderiam ser todos classificados como de baixo risco de LD/FTP. Todavia, referida classificação é passível de atualização para o cliente com apostas individuais inferiores ao limite estabelecido quando, considerando o montante apostado em um determinado período (mês, por exemplo), tal limite for excedido.

Quanto ao limite a ser estabelecido, ele poderia ser estipulado com base em informações sobre o perfil de gasto dos apostadores. Por exemplo, conforme pesquisa33 da ENV Media (agência de marketing digital atuante na área de jogos online – iGaming), de 4 de julho de 2023, parcela pouco expressiva dos apostadores aposta montante superior a R$200,00 (duzentos reais) no mês.

Considerando a possibilidade de o agente operador de aposta ser autorizado a oferecer jogos de azar, algumas das pessoas que possuem vedação de realização de aposta (artigo 26 da Le nº 14.790/23) não estariam, a princípio, impedidas de apostar em jogos de azar. Sendo assim, há a possibilidade de pessoas vedadas de apostar em determinada modalidade serem admitidas como clientes para aposta/jogo em outra modalidade. Tais clientes deveriam receber a classificação de alto risco, sem considerar o valor da aposta, e serem objeto de controle específico de forma a impedir a realização de apostas que lhes são vedadas.

A verificação da condição de PEP ou de pessoa relacionada é exigência comum nas normas dos diversos reguladores de PLD/FTP. Portanto, tal verificação deveria ser realizada pelo operador de casa de aposta, seja por meio de campo declaratório (menos efetiva) ou, melhor prática, por meio de consulta a lista pública (PEP) ou a base de dados pagas (PEP e pessoa relacionada a PEP). Essa condição deveria integrar os critérios de classificação de risco do cliente.

7.1.3  Da avaliação de risco dos colaboradores

De maneira similar ao praticado para colaboradores dos demais setores com deveres de PLD/FTP, a avaliação do risco das atividades desempenhadas pelos colaboradores está diretamente relacionada com a existência e forma de contato com o cliente ou com as informações individualizadas do cliente, e com a alçada de autorização de início de relacionamento ou de aprovação de realização de operação.

Colaboradores que lidam com a informação individualizada do cliente ou que têm alçada para aprovação de relacionamento/operação apresentam risco superior ao dos colaboradores que não desempenham tais atividades. Por exemplo, colaborador que atua na área contábil atua em atividade de baixo risco de LD/FTP em razão de não lidar com informação individualizada do cliente e nem possuir alçada de aprovação de início de relacionamento ou de autorização para realização de operação.

7.1.4   Da avaliação de risco dos parceiros

O agente operador de aposta deve identificar quem são as empresas com as quais se relacionam e que se enquadram na condição de parceiros.

Neste artigo, a definição de parceiro empregada é a de empresa que atua na captação individualizada de cliente; definição que exclui, portanto, as pessoas ou empresas que atuam na divulgação (propaganda) dos produtos e serviços do agente de aposta. Incluímos também na definição de parceiro os provedores de jogos (entidades que desenvolvem os jogos e os oferecem para o agente operador de aposta comercializar).

Como critérios de classificação de risco podem ser utilizados: o risco dos produtos comercializados pelo parceiro; o tempo de constituição da empresa parceira; resultado de pesquisa de mídia; existência de certificação prevista etc.

7.2  Política de PLD/FTP

A Política de PLD/FTP deve conter, considerando o resultado da AIR, as diretrizes que deverão ser observadas na construção do programa de PLD/FTP.

Tais diretrizes devem incluir: a definição das atribuições de PLD/FTP das diversas áreas do agente operador de aposta; a definição de procedimentos de avaliação do risco de LD/FTP de novas modalidades de jogos e apostas previamente à sua comercialização; a promoção de cultura organizacional de PLD/FTP; o desenvolvimento do programa de capacitação dos colaboradores; orientações para implementação dos procedimentos conheça seu cliente e para os procedimentos MSAC; e a descrição da governança do programa de PLD/FTP.

A Política deveria ser aprovada pela alta administração do agente operador de aposta, divulgada a todos os colaboradores e mantida atualizada.

7.3  Governança de PLD/FTP

O agente operador deve possuir medidas de governança que permitam à sua alta administração acompanhar o cumprimento da política, dos procedimentos e dos controles internos de PLDFT.

A governança de PLDFTP deveria incluir a designação de um membro da alta administração como o responsável pelo cumprimento do programa de PLD/FTP. Cabe destacar que a Portaria SPA/MF nº 827, de 21 de maio de 2024, que regulamenta o processo de autorização para exploração da modalidade lotérica de apostas de quota fixa, não traz tal designação de maneira direta, mas estabelece (inciso IV do parágrafo 2º do artigo 8º) que o agente operador deve identificar, dentre outros, o diretor responsável por integridade e compliance, sobre o qual, muito provavelmente, recai o tema PLD/FTP.

A área responsável pela gestão de PLD/FTP deve possuir autonomia para a obtenção, sem óbice de nenhuma espécie, de qualquer informação que entenda necessária para a execução da análise dos alertas gerados pelo sistema de monitoramento ou por qualquer outro meio (denúncia, por exemplo).

A área de PLD/FTP deve ocupar nível organizacional compatível com sua importância e não estar vinculado à nenhuma área responsável por negócios, evitando conflito de interesses.

O agente operador de aposta deve desenvolver e implementar relatórios gerenciais que permitam o acompanhamento das métricas e indicadores desenvolvidos especificamente para fins de PLD/FTP.

7.4  Avaliação de novas modalidades de jogos e apostas

O agente operador de aposta deve implementar procedimentos de análise prévia de novas modalidades de jogos e apostas, em atendimento ao disposto no inciso II do artigo 7º da Portaria SPA/MF nº 1.143/24.

Recomenda-se a formalização desse procedimento em documento específico, no qual a análise, pela área de PLD/FTP, deve ser registrada.

O registro pela área de PLD/FTP consistiria: na atribuição do risco inerente de LD/FTP ao produto; na descrição dos critérios utilizados para a classificação de risco; na avaliação da suficiência dos controles existentes; na identificação, quando for o caso, da necessidade de controles adicionais; e na avaliação do risco residual.

7.5  Procedimentos de “Conheça seu Cliente”

Um dos pilares de um programa de PLD/FTP, os procedimentos de “Conheça seu Cliente” devem ser desenvolvidos e implementados para identificar e qualificar o cliente do agente operador de aposta, incluindo nesse processo também a classificação de risco de LD/FTP.

Esses procedimentos implicam coletar informações que auxiliem no monitoramento dos jogos e apostas realizados por esse cliente e conhecer o seu perfil de operações. Além disso, devem estar descritos em manual interno e constar, no que for aplicável, nos termos e condições disponíveis aos clientes na página do agente operador de aposta na internet, para obtenção da concordância do apostador, quando do seu cadastramento.

Em atendimento ao disposto na Lei nº 14.790/23, na Portaria Normativa MF nº 1.330/23, na Portaria Normativa SPA/MF nº 615/2434 e na Portaria SPA/MF nº 1.143/24, as seguintes informações devem ser coletadas dos clientes: nome completo; data de nascimento; número do RG; número do CPF; telefone; e-mail; conta de depósito ou de pagamento pré-paga cadastrada para aporte e retirada de recursos financeiros; opção de limitação de tempo de jogos e apostas; opção de manutenção dos prêmios recebidos na conta transacional do agente operador de aposta; renda; condição de PEP; e condição de pessoa relacionada a PEP.

Para fins de promoção de jogo responsável e prevenção aos transtornos de jogo patológico, as seguintes informações devem também ser coletadas do cliente: limite diário de tempo de jogo ou aposta; limite máximo de aposta; período de pausa; e autoexclusão.

O procedimento de identificação e reconhecimento facial é etapa obrigatória e fundamental do procedimento de admissão na plataforma de jogos e apostas. Esse procedimento deve ser aplicado a todos os clientes, não sendo neste caso permitido o emprego da abordagem baseada no risco (ABR).

As seguintes verificações devem obrigatoriamente ser executadas na admissão do cliente e/ou durante o relacionamento do cliente com o agente operador de apostas:

34 Portaria Normativa SPA/MF 615/24: estabelece regras gerais a serem observadas nas transações de pagamento realizadas por agentes autorizados a operar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa em território nacional.

  • Verificação da eventual existência de sanção do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em observância ao disposto na Lei nº 13.810/19, sendo vedada a admissão de cliente cujo nome conste na Lista CSNU e obrigatório o bloqueio de recursos em conta gráfica que, em etapa posterior à de admissão, de cliente identificado como pessoa sancionada pelo CSNU;
  • Verificação da condição de pessoa impedida de apostar, em observância ao disposto no artigo 26 da Lei nº 14.790/23. Cabe destacar que consta da relação de pessoas vedadas a apostar pessoa que tenha ou possa ter qualquer influência no resultado de evento real de temática esportiva objeto de loteria de apostas de quota fixa. Portanto, tal pessoa não estaria, a princípio, impedida de apostar em jogos online que não correspondam a evento real de temática esportiva, como, por exemplo, roleta, crash games Dessa forma, essa pessoa não seria impedida de utilizar a plataforma de agente operador de apostas para realizar apostas em eventos outros que não os de evento real de temática esportiva. Caso essa pessoa seja admitida como cliente, o agente operador de apostas deve ter controles específicos de forma a impedir que tais clientes migrem para modalidades de jogo não permitidas em razão de sua condição;
  • Verificação da eventual condição de apostador menor de

Como boa prática, outras verificações podem ser feitas, tais como: a verificação da situação do CPF do apostador na Receita Federal do Brasil (RFB) e a verificação da utilização de CPF de falecido etc.

O agente operador de apostas deve adotar controles que impeçam o cliente de ter mais de uma conta gráfica, bem como para identificar o emprego de um mesmo IP para a abertura de contas de clientes distintos. Ocorrendo tais situações, a área responsável pela gestão do processo de PLD/FTP deve ser informada para avaliar a possibilidade de eventual comunicação ao Coaf.

Os procedimentos de classificação de risco devem estar descritos, tanto as informações que serão utilizadas na classificação, quanto os critérios de agregação dessas informações para a atribuição de risco.

Ainda que a informação da condição de PEP ou de pessoa relacionada a PEP seja comumente utilizada para fins de classificação de risco de LDFTP (muitas das vezes, de maneira conservadora, critério suficiente para a atribuição da classificação de alto risco de LD/FTP), o emprego da ABR possibilita desconsiderar a condição de PEP ou de pessoa relacionada a PEP quando, por exemplo, o agente operador de aposta optar por classificar como de baixo risco todo o apostador que na etapa de admissão aporte quantia inferior a um determinado limite; e aumentar o risco desse cliente, quando o montante apostado no mês for superior àquele limite.

Os clientes que operarem acima desse limite poderiam ser, de acordo com os critérios definidos pelo agente operador de aposta, classificados quanto ao risco de LD/FTP (baixo, médio ou alto, por exemplo), sendo a condição de PEP ou de pessoa relacionada a PEP informação a ser considerada nessa classificação.

O agente operador de aposta deve definir os critérios de alteração da classificação de risco de LD/FTP do cliente. São exemplos de situações que podem, a critério do agente operador de apostas, ser utilizados para essa alteração:

  • alteração no montante mensal apostado (limite excedido);
  • alteração no perfil das modalidades de jogos;
  • percentual de apostas vencedoras em jogos peer-to-peer e em eventos esportivos reais;
  • percentual de apostas perdedoras em apostas peer-to-peer;
  • frequência de operações selecionadas pelo sistema de monitoramento de PLDFT;
  • aquisição da condição de PEP ou de pessoa relacionada a PEP em data posterior a de cadastramento na plataforma;
  • aquisição da condição de pessoa impedida de apostar; ou
  • solicitação de alteração na conta de depósito ou de pagamento para recebimento de prêmios

De acordo com o inciso II do artigo 9º da Portaria SPA/MF nº 1.143/24, o cadastro de apostadores e usuários deve ser mantido atualizado.

Essa determinação implica a implementação de critérios para a atualização cadastral, sendo obviamente a classificação de risco de LDFTP do cliente um importante critério definidor. De maneira similar à adotada nas instituições financeiras, clientes que apresentam menor risco de LD/FTP terão seus cadastros atualizados em periodicidade distinta, no caso maior, relativamente aos clientes classificados como de maior risco de LD/FTP.

7.6  Procedimentos de Monitoramento, Seleção, Análise e Comunicação (Procedimentos MSAC)

O agente operador de apostas deve monitorar as apostas/jogos realizadas pelos clientes para fins de PLD/FTP.

Cabe destacar que, diferentemente da Circular BCB nº 3.978/20, a Portaria SPA/MF nº 1.143/24 é omissa a respeito da possibilidade de terceirização dos procedimentos MSAC no tocante a análise das operações selecionadas pelo sistema de monitoramento. A ausência dessa expressa proibição não significa, no entanto, que seja possível terceirizar tal atividade, mas trata-se de item da norma que deve ser objeto de esclarecimento pela SPA/MF, ainda que por meio do recurso Perguntas Frequentes.

Com esse propósito, a instituição deve implementar regras de seleção de operações para análise com foco em PLD/FTP, tanto para as operações relacionadas com o aporte de recursos como para os resultados das operações (ganhos ou perdas, dependendo da modalidade de jogo ou aposta).

O estudo das tipologias relacionadas ao emprego de jogos online e apostas para a prática de LD/FTP contribui para o desenvolvimento das regras de geração de alertas.

Conforme disposto nos artigo 25 da Portaria SPA/MF nº 1.143/24, devem resultar na análise com especial atenção as apostas e as operações a elas associadas que envolvam:

  • – pessoa envolvida ou suspeita de envolvimento em atividades tipificadas como crime de lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro;
  • – pessoa que tenha cometido ou tentado cometer, facilitar ou participar de práticas de terrorismo, proliferação de armas de destruição em massa ou seu financiamento, conforme o disposto na Lei nº 13.260/16 e na Lei nº 810/19;
  • – pessoa domiciliada em jurisdição considerada pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) como de alto risco ou com deficiências estratégicas em matéria de PLD/FTP ou em países ou dependências qualificados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) como de tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado;
  • – resistência do apostador ou usuário da plataforma em fornecer informações adicionais solicitadas pelo agente operador de apostas;
  • – prestação de informações falsas ou de difícil verificação, notadamente para a formalização de cadastro, abertura de conta, registro de aposta ou outra operação na plataforma de apostas;
  • – aporte de valores sobre os quais recaia suspeita quanto à sua origem;
  • – pagamento de prêmio sobre o qual recaia suspeita de utilização para LD/FTP ou fraude;
  • – pagamento de prêmio de aposta sobre o qual recaia suspeita de manipulação de resultados, nos termos do 177 da Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte);
  • – incompatibilidade entre as operações realizadas por apostador e seu padrão habitual de atividades, suas informações ocupacionais ou sua aparente situação financeira;
  • – movimentação atípica de valores de forma que possa sugerir o uso de ferramenta automatizada por parte do apostador;
  • – aporte ou retirada de valores, em um curto tempo, que possa sugerir fracionamento ou dissimulação de operação;
  • – retirada, ou tentativa de retirada, de recursos da conta transacional de apostador, logo após a realização de depósito, sem a efetivação de aposta;
  • – utilização indevida de conta por outra pessoa que não seu titular;
  • – indício da utilização de conta por intermediador que realize apostas para outras pessoas;
  • – aportes em quantidade que possa sugerir a prática de intermediação de apostas;
  • – aposta na categoria bolsa de apostas (bet exchange) na qual haja indício de arranjo por dois ou mais apostadores em apostar em resultados diferentes, com a finalidade de realizar transferência de valores entre si, visando a prática de LD/FTP;
  • – contas abertas em nome de pessoa exposta politicamente (PEP);
  • – dificuldade ou inviabilidade de coletar, verificar, validar ou atualizar informações cadastrais de apostadores ou usuários da plataforma; e
  • – quaisquer características que sinalizem, notadamente por seu caráter não usual ou atípico, possível indício de prática de LD/FTP ou outro delito

São também exemplos de operações envolvendo ou não a movimentação de recursos financeiros que podem ser utilizadas para LD/FTP:

  • aposta por pessoa vedada de realizar modalidade específica de jogos e apostas;
  • prêmios decorrentes de apostas em evento real de temática esportiva relativo ao resultado do evento (vitória, derrota ou, quando for o caso, empate);
  • prêmios decorrentes de apostas em evento real de temática esportiva relativo à situação não relacionada com o resultado do evento, mas, por exemplo, com a frequência de determinada situação no evento (número de cartões amarelos, p.ex.) etc.;
  • ganhos do cliente em jogos peer-to-peer;
  • perdas do cliente em jogos peer-to-peer;
  • frequência de ganhos do cliente em apostas em evento real de temática esportiva;
  • frequência de ganhos do cliente em jogos peer-to-peer;
  • frequência de perdas de cliente em jogos peer-to-peer;
  • valor da aposta incompatível com a renda do cliente;
  • solicitação de alteração da conta de destino de transferência de recursos correspondentes a prêmios recebidos ou ao resgate dos recursos aportados e não apostados; etc.

O agente operador de apostas deve estabelecer os valores a partir dos quais as situações acima gerariam alertas. Esses valores devem ser objeto de reavaliação quanto à sua manutenção, no caso de não geração de alertas para análise ou no caso de geração excessiva de alertas. Os valores deveriam considerar o perfil de risco de LDFTP do cliente.

Outra situação que pode ser considerada para fins de análise com foco em PLDFTP é quando da solicitação, pela instituição financeira ou de pagamento na qual o agente operador de aposta tem conta transacional, de informação sobre determinada movimentação nessa conta.

Os procedimentos MSAC deveriam, a princípio, abranger todas as modalidades de jogos e apostas, sendo a eventual exclusão de determinada modalidade de jogo ou aposta, em função do risco de LD/FTP a ela atribuída, devidamente justificada e objeto de aprovação do diretor responsável por PLD/FTP.

Os procedimentos de desenvolvimento, implementação, alteração e exclusão de regra de monitoramento devem estar formalizados, sendo aconselhável o estabelecimento de alçadas de decisão para a inclusão, alteração e exclusão de regras de monitoramento. Essas regras devem ser objeto de avaliação rotineira quanto a sua efetividade, sendo tal avaliação objeto de registro específico.

A análise dos alertas deve ser registrada em dossiê específico, sendo que o registro dessa análise deve conter informações que suportem a decisão do analista pelo arquivamento ou pela proposta de comunicação ao Coaf. Uma análise adequada deve incluir as seguintes informações: perfil de jogos do cliente; informações conheça seu cliente; histórico de ganhos ou perdas; descrição da situação que gerou o alerta; informação sobre a existência de alertas anteriores e o resultado da análise desses alertas; informação sobre eventual mudança na informação da conta cadastrada etc.

Conforme o parágrafo 2º do artigo 26 da Portaria SPA/MF nº 1.143/24, o prazo para o encerramento do procedimento de análise é de trinta dias, contados da data da aposta ou da operação a ela associada.

Por sua vez, o parágrafo 3º do artigo 27 da Portaria SPA/MF nº 1.143/24, estabelece que a comunicação ao Coaf deve ocorrer em até um dia útil após ao de término do procedimento de análise.

Como boa prática, recomenda-se o procedimento de seleção amostral de alertas arquivados e de alertas que geraram comunicação ao Coaf com o propósito de verificar a qualidade de análise desses alertas. Essa verificação deve ser realizada preferencialmente por pessoa distinta daquelas responsáveis pelas análises.

A instância responsável pela decisão quanto à comunicação ao Coaf deve estar definida na Política de PLD/FT. Tal decisão deve ser documentada, incluindo o registro da data dessa decisão.

A comunicação ao Coaf deve ocorrer em até um dia útil após ao de decisão pela comunicação ao Coaf.

No caso de o agente operador de aposta decidir pela manutenção de relacionamento com cliente comunicado ao Coaf, esse cliente deve ser objeto de monitoramento específico e deve ter sua classificação de risco de LDFTP alterada para a maior categoria de risco, quando aplicável.

7.7  Treinamento

O agente operador de aposta deve implementar programa de treinamento em PLDFTP para todo os seus funcionários, incluindo a alta administração.

Espera-se que eventos de treinamento sejam realizados anualmente e que a participação dos funcionários nesses eventos leve em conta o risco de LDFTP das atividades por eles desempenhadas.

A princípio, os funcionários que atuam na análise de alertas e os que atuam em atividades de alto risco deveriam ser treinados anualmente. Os funcionários cujas atividades foram classificadas como de risco inferior a alto poderiam ser treinados em periodicidade distinta.

As modalidades de treinamento (EAD, online remoto, presencial interno, presencial externo) devem ser definidas, incluindo o público-alvo, carga horária, nota mínima de aprovação (quando for o caso) e conteúdo.

Como boa prática, espera-se que o colaborador recém-admitido seja treinado em até 90 dias contados da data de admissão.

O conteúdo do treinamento deve conter a descrição dos principais pontos do programa de PLDFTP do agente operador de aposta e incluir, quando aplicável, exemplos de casos reais de LDFTP que aconteceram no agente operador de aposta, ou quando não aplicável, a descrição de tipologias específicas de PLDFTP em jogos e apostas.

O agente operador de aposta deve estabelecer controles do cumprimento do programa de PLDFTP.

7.8  Auditoria Interna

Conforme artigo 6º da Portaria SPA/MF nº 1.143/24, os controles de PLDFTP devem incluir mecanismos de checagem de seu efetivo atendimento.

Consideramos como exemplos de mecanismos de checagem: as verificações e testes realizadas pela equipe de controles internos; a avaliação dos controles de PLD/FTP, por ocasião da AIR anual; e os trabalhos de auditoria interna.

Recomenda-se ao agente operador de aposta a promoção, por intermédio de unidade própria ou terceirizada, de programa de auditoria interna com o propósito de verificar o cumprimento dos procedimentos e controles de PLD/FTP implementados.

A periodicidade e o escopo do trabalho de auditoria devem ser definidos no programa de PLD/FTP.

Esse trabalho não se confunde com a eventual realização de avaliação de efetividade do programa de PLDFTP, mas os resultados do trabalho de auditoria fornecem subsídios para essa avaliação.

7.9  Avaliação da Efetividade do Programa de PLD/FTP

A avaliação de efetividade do programa de PLD/FTP, nos moldes do disposto na Circular BC nº 3.978/20, não é exigida por todos os reguladores de PLD/FTP.

Trata-se, contudo, de boa prática, pois essa avaliação, realizada anualmente, possibilita identificar procedimentos e controles que demandam melhoria e saber se o programa de PLD/FTP implementado tem ou não produzido os resultados esperados.

Por se tratar de uma avaliação de todos os itens do programa de PLD/FTP, essa avaliação apresenta escopo maior do que o de um trabalho de auditoria interna que, por vezes, se limita a verificar alguns dos itens do programa de PLD/FTP.

A execução desse trabalho poderia ser conduzida pela área de PLD/FTP do agente operador de apostas ou por outra unidade por ele designada, ou, ainda, por terceiros.

Embora não conste na Portaria SPA/MF nº 1.143/24 exigência específica de relatório de avaliação de efetividade nos moldes do artigo 62 da Circular BCB nº 3.978/20, o inciso VI do artigo 9º dessa portaria estabelece que os controles de PLD/FTP devem incluir a verificação periódica da efetividade da política adotada e da aderência à regulação governamental que contemple a identificação e a correção de deficiências verificadas.

Além disso, considerando que a avaliação interna de risco anual deve constar no relatório anual de que trata o artigo 11 da Portaria nº 1.143/24, transcrito abaixo, e que tal avaliação inclui avaliar os controles, a efetividade dos controles de PLD/FTP é, portanto, realizada.

Art. 11. O agente operador de apostas deve encaminhar relatório anual à Secretaria de Prêmios e Apostas, até o dia 1º de fevereiro do ano subsequente, com informações sobre boas práticas adotadas no ano anterior, com a finalidade de atender às disposições acerca das políticas, procedimentos e controles previstos nesta Portaria.

 

Apesar de a redação permitir entender que tal relatório limita-se a informar as boas práticas adotadas, sem a necessidade de manifestação sobre a efetividade do programa de PLDFTP, a obrigatoriedade de nesse relatório constar em tal relatório a avaliação interna de risco, realizada anualmente, implica avaliar anualmente a efetividade do programa de PLDFTP.

8.  Considerações finais

As regras para a cessação de operações de empresas que não atenderem as condições de operação previstas na Portaria SPA/MF nº 1.475, de 16 de setembro de 2024, as notícias de operações da Polícia Federal que identificaram o uso de jogos e apostas online para a prática de lavagem de dinheiro, envolvendo não apenas as casas de apostas, mas também instituições de pagamento, eFX, influenciadores etc., e as notícias sobre o volume expressivo de apostas por beneficiários do Bolsa Família não foram incluídas neste artigo em razão de terem sido divulgadas em data posterior a de conclusão deste artigo.

Essas notícias evidenciam a materialização de algumas das tipologias e a necessidades de controles discutidas neste artigo.

O ACAMS Brasil Chapter espera que este artigo contribua para a implementação de controles de PLD/FTP robustos nos agentes operadores de apostas e para o aprimoramento da regulamentação pela SPA.

Notas:

1 Participantes do Grupo de Estudos da ACAMS Brazil Chapter responsáveis pelo tema Jogos e Apostas Online:

Ana Carolina Martinelli (Sócia da IBS Advogados); David Figueiredo (Advogado; consultor; membro do Board do ACAMS Brasil Chapter); Guilherme Pessanha (Money Laundering Reporting Officer da Betano); José Leonelio de Sousa (Consultor; membro do Board do ACAMS Brasil Chapter); Lucas Medeiros (analista PLD/FTP do Nubank); Natalia Grigolin (Membro do Board do ACAMS Brasil Chapter); Rafael Edelmann (Diretor de Governança, Riscos e Compliance na Okto Brazil); e Wolney José dos Anjos (consultor com atuação na área de PLD/FTP).

2 Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm, acesso 22.04.2024.

3 A Portaria Normativa SPA/MF nº 561/2024 estabeleceu cronograma, a findar em julho de 2024, para a publicação de 11 portarias voltadas a estabelecer a regulação de apostas de quota-fixa no Brasil.

4 Cf. Costa, Lucas Fernandes da. Rodríguez, Victor Gabriel de Oliveira. Marchiori, Eduardo Saab. In: Protección jurídica del ludópata y liberación de los juegos de azar : un análisis comparativo entre Brazil, Colombia y España., Brazilian Journal Latin American Studies – Cadernos Prolam/USP, São Paulo, SP, v. 20, n. 41, p. 210-236, jul./dez. Disponível em: https://dedalus.usp.br/F/USG54JHPVY7VPPJ84ǪL8DM29X58SMNCR29BCS5NXXEXF8PJBPY-

56401?func=directCdoc%5Fnumber=003080731Cpds_handle=GUEST

5 Em 09.05.2022, a Revista Superinteressante publicou matéria, intitulada “Você conhece os jogos que acompanham a humanidade há milhares de anos? “, referenciando ao livro Rolling the bones: the history of gambling, de David G. Schwartz, em que haveria tal afirmação. Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/voce-conhece-os-jogos-que-acompanham-a-humanidade-ha-milhares-de-anos , acesso 04.04.2024.

6 “Almeida, Oleg no prefácio do livro. In: DOSTOIVESKI, Fiodor. O Jogador, Martin Claret, 2019, versão eletrônica (Kindle).

7 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm, acesso em 06.04.2024

8 Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/530184, acesso em 06.04.2024.

9 Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/530287, acesso em 06.04.2024.

10Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del9215.htm, acesso em 08.04.2024.

11 MARQUES, Matheus Corea de Oliveira: A legalização, regulamentação e tributação dos jogos de azar como importante fonte de arrecadação tributária e desenvolvimento econômico. In: Revista de Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento, v. 7, n. 8, janeiro/junho, 2019, p. 114-137. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfptd/article/view/36638 , acesso 06.04.2024.

12 Conforme matéria veiculada pelo Jornal Folha de São Paulo em 08 de junho de 1998, disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc08069814.htm, acesso 08.04.2024.

13Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13756.htm, acesso 22.04.2024.

14 Cf. Decreto nº 11.907/2024, disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-11.907-de-30-de-janeiro-de-2024- 540566617, acesso 23.04.2024.

15 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm, acesso em 07.06.2024.

16 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/decreto/D11907.htm , acesso em 07.06.2024.

17 Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-normativa-mf-n-1.330-de-26-de-outubro-de-2023-519161250, acesso em 07.06.2024.

18 Disponível em: https://www.fatf-gafi.org/content/dam/fatf- gafi/recommendations/FATF%20Recommendations%202012.pdf.coredownload.inline.pdf, acesso 07.06.2024.

19 Disponível em: https://www.fatf-gafi.org/content/dam/fatf-gafi/reports/RBA%20for%20Casinos.pdf.coredownload.inline.pdf, acesso 07.06.2024.

20 Disponível em: https://www.fatf-gafi.org/content/dam/fatf- gafi/reports/Vulnerabilities%20of%20Casinos%20and%20Gaming%20Sector.pdf.coredownload.pdf , acesso em 07.06.2024.

21 Disponível em: https://rm.coe.int/research-report-the-use-of-online-gambling-for-money-laundering-and-th/168071509c, acesso em 07.06.2024.

22 Disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2005/19/contents , acesso em 06.06.2024.

23 Cf. Azevedo, Lucas Frederico Viana. Atitudes britânicas em relação aos jogos de azar. In: Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Rio de Janeiro: vol. 15, no 2, maio-agosto, 2023, p. 216-241.

24 https://www.legislation.gov.uk/uksi/2017/692/regulation/7

25 https://www.gamblingcommission.gov.uk/licensees-and-businesses/aml, acesso 06.06.2024.

26 Disponível em: https://www.gamblingcommission.gov.uk/print/the-2023-money-laundering-and-terrorist-financing-risks-within- the-british, acesso em 06.06.2024.

27 Disponível em: https://gamingcontrol.spin- cdn.com/media/aml_cft/20240517_pb2024_015_anti_money_laundering_supervisory_authorities_formalize_their_collaboration_e n.pdf , acesso 06.06.2024.

28 Disponível em: https://gamingcontrol.spin- cdn.com/media/aml_cft/20240527_regulations_for_the_combating_of_money_laundering_and_financing_of_terrorism_versie_final

_20052024.pdf, acesso 06.06.2024.

29 Disponível em: https://www.srij.turismodeportugal.pt/sites/default/files/2022-05/Consolida%C3%A7%C3%A3o%20Decreto- Lei%20n.%C2%BA%20422_89%20%20-

%20Di%C3%A1rio%20da%20Rep%C3%BAblica%20n.%C2%BA%20277_1989%2C%20S%C3%A9rie%20I%20de%201989-12-02.pdf  ,

acesso 07.06.2024.

30 Disponível em: https://www.srij.turismodeportugal.pt/sites/default/files/2022- 04/Consolidacao_Decreto_Lei_n_66_2015_Di%C3%A1rio%20da%20Rep%C3%BAblica_n_83_2015_0.pdf /, acesso 07.06.2024

31 1. Avaliação de riscos e aplicação de uma abordagem baseada no risco

Os países devem identificar, avaliar e compreender os riscos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo para o país, e tomar medidas, inclusive designando uma autoridade ou mecanismo para coordenar as ações de avaliação de riscos, e aplicar recursos com o objetivo de garantir que os riscos sejam efetivamente mitigados. Com base nessa avaliação, os países devem aplicar uma abordagem baseada no risco (ABR) para garantir que as medidas de prevenção ou mitigação da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo sejam proporcionais aos riscos identificados. Essa abordagem deve ser um fator essencial para a alocação eficiente de recursos por todo o regime antilavagem de dinheiro e de combate ao financiamento do terrorismo (ALD/CFT) e para a implementação das medidas baseadas em risco em todas as Recomendações do GAFI. Ǫuando os países identificarem riscos maiores, deveriam se assegurar de que seu regime ALD/CFT aborda adequadamente esses riscos. Ǫuando identificarem riscos menores, os países poderão optar por medidas simplificadas para algumas das Recomendações do GAFI, sob certas condições. Os países deveriam exigir que as instituições financeiras e atividades e profissões não financeiras designadas (APNFDs) identifiquem, avaliem e adotem medidas efetivas para mitigar seus riscos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

32 Os esportes virtuais são simulações online de competições esportivas reais, onde você pode apostar nas modalidades de futebol, basquete, tênis e esportes instantâneos, como corrida de cavalo, ciclismo, automobilismo e muito mais! Tudo isso com uma experiência totalmente imersiva, gráficos desenvolvidos de acordo com estádios reais, narrações, clipes de destaques e estatísticas dos jogos. (BETSSON. O que são esportes virtuais? Betsson: 6 de abril de 20222. Disponível em: https://www.betsson.com/br/blog/apostas-esportivas/o-que-sao-esportes-virtuais/. Acesso em: 19 de junho de 2024.

33 Brazil Gambling Demographics: Who Plays Casino in Brazil. Disponível em: https://env.media/brazilian- gambler-profile/

34 Portaria Normativa SPA/MF 615/24: estabelece regras gerais a serem observadas nas transações de pagamento realizadas por agentes autorizados a operar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa em território nacional.

Ana Carolina Martinelli

Autora

Guilherme Pessanha

Autor

Wolney
Anjos

Autor

Rafael
Edelmann

Autor

David
Figueiredo

Autor

Lucas
Medeiros

Autor

Ana
Tomé

Revisora

Leonelio
de Souza

Revisor

Natalia
Grigolin

Diretora do grupo de Estudos: